Defina o seu propósito
Após terminar de ler mais um livro, teórico e geral, sobre Design, fica aquela sensação de “por onde começar a escrever sobre a obra de quem escreve o que penso?” e ao chegar ao final da obra, onde as sugestões são quase inalcançáveis, devido a fatores externos incontroláveis, mas cabíveis de serem aplicadas, como fazer para delimitar a abrangência deste livro?
“O design nasceu com o firme propósito de pôr ordem na bagunça do mundo industrial.” Pág 08. Dessa maneira fica evidente que existe um contexto inerente a industrialização. Partindo de outros autores que repetem o mesmo discurso de que design tem relação com a definição das formas das ‘coisas’ e com o consumismo da sociedade industrial, fica mais claro que o profissional da área não é só um técnico ou graduado qualquer de uma instituição qualquer.
Ao mencionar Papanek em sua obra, Design para o mundo real, e saber que o mesmo dedica especial interesse em alguns itens comuns da época e situações cotidianas, que já mudaram, assim mesmo o livro supracitado tinha por intenção provocar os designers da época a mudar de postura devido a novos fatores conflitantes que redefiniram o mundo nos anos seguintes.
Teorias pré-estabelecidas, num passado recente, como fundamentais perderam uma parcela de seu significado com o advento das crises generalizadas que o mundo passou no final do século XX e mesmo que haja profissionais, no século XXI, que enfatizam tais argumentos, estes foram colocadas em choque para repensar o que os designers tem que fazer para continuar em voga e crescer ou serem apenas apêndices das outras profissões, o que não é o ideal.
“Ao acusar a ausência de valores humanos no dogma modernista, o profético Papanek substituía “função social” por “funcionalidade” como centro do seu pensamento sobre design. Como resultado, o livro tornou-se best-seller mundial, e encontra eco até hoje em qualquer discussão sobre design e sustentabilidade. Os projetos de produto citados por Papanek ... são facilmente ridicularizados, por conta da evolução tecnológica desde os anos 1970. O fato de haver quem ataque a obra por esse ângulo, inteiramente tangencial à discussão proposta, demonstra o quanto ela ainda incomoda.” Pág 09
O grande desafio dos designer, e este desafio perpassa a profissão e atinge outras carreiras e profissionais mostra o que “A ideia de que a aparência, ou a configuração visual, de um artefato seja capaz de expressar conceitos complexos como ... sua adequação a um determinado propósito é uma das grandes questões permanentes do design, da arquitetura e da arte.” Pág 13 PDF
Ou seja, fazer design não é necessariamente ser um designer mas um Designer pode fazer variados e diferentes designs durante seus muitos anos de atuação profissional.
“Resumindo o cenário atual, pode-se dizer que as perspectivas são boas porque os desafios são enormes. Há trabalho ... para quem tiver disposição e imaginação para se lançar a novas empreitadas. Primeiro passo: abdicar da premissa de que os problemas são simples. Se você tem uma resposta pronta, é provável que não tenha entendido direito a pergunta. Aprofundar a análise do problema, antes de propor soluções, é uma velha ... máxima das metodologias de projeto que ainda retém toda a sua validade. Segundo passo: abdicar da premissa de que os problemas são insolúveis. Uma das grandes vantagens de reconhecer a complexidade do mundo é compreender que todas as partes são interligadas. Sendo assim, as ações de cada um juntam-se às ações de outros para formar movimentos que estão além da capacidade individual de qualquer uma de suas partes componentes. Não é responsabilidade dos designers salvar o mundo ... até porque a crescente complexidade dos problemas demanda soluções coletivas.” Pág 18 PDF
Ao terminar a introdução e passar para o capítulo seguinte o autor se dedica aos fatores históricos locais e gerais para exemplificar situações e problemas complexos que perpassam o cotidiano das pessoas e atinge a sociedade.
A grande sacada do livro foi no segundo capítulo quando se define Valor Agregado dos produtos, essa expressão resume o que a industrialização causou na cultura: "Na sociedade industrial, em que a maioria dos artefatos que nos cerca é fruto de processos rigidamente controlados de fabricação, distribuição e comercialização, quase nada de significativo é deixado ao acaso. Na origem de todo artefato, há um projeto. Seu propósito maior é embutir significados aos objetos: codificá-los com valores e informações que poderão ser depreendidos tanto pelo uso quanto pela aparência. Por meio da visualidade, o design é capaz de sugerir atitudes, estimular comportamentos e equacionar problemas complexos." Pág 48 PDF.
Ao mencionar Vilém Flusser em “Design: obstáculo para a remoção de obstáculos?” de 1988, o autor, com base no que foi ‘pensado’ mostra alguns pontos e “analisa a problemática talvez mais essencial do design nos dias de hoje. Como atividade voltada para a solução de problemas por meio de projetos, o design tem exercido historicamente a tarefa de criar objetos de uso. Os artefatos gerados possuem duas dimensões: sua configuração material” sua forma real e tangível “e sua capacidade de mediar relações – ou seja, grosso modo, a dimensão formal e a informacional” ou seja sua função sócio econômica de estabelecer um comércio com a troca de valores agregados, entre as partes e continua “A falha trágica do design é que todas as formas são efêmeras, em maior ou menor grau. À medida que os objetos viram dejetos, aquele projeto que ontem operava como solução, hoje se apresenta como obstáculo e problema. Ao sobreviverem além da finalidade para a qual foram pensados, os objetos acabam resistindo aos seus projetos. Tornam-se ruínas. Posto esse dilema, Flusser formula nos seguintes termos a pergunta essencial que se coloca para o projetista: “posso configurar meus projetos de modo que os aspectos comunicativo, intersubjetivo e dialógico sejam mais enfatizados do que o aspecto objetivo, objetal, problemático?”. O objetivo de exercitar esse tipo de pensamento seria o de projetar de modo mais aberto ... de gerar projetos resistentes ao seu engessamento formal e eventual obsolescência. Pág 51 PDF
Apesar de os processos industriais gerarem muito lixo de produção e fabricação, a evolução projetual, em geral, só foi possível graças aos erros dos designers e engenheiros do passado e as consequências evidentes desses erros extrapolarem o nível do aceitável e se tornarem um problema comum com consequência politica e econômica numa escala muito maior que a local e não apenas visível pelas pessoas ditas comuns (os consumidores) mas por todos.
Perto do final do capítulo a discussão se ampara não no exemplo de coisas mas dos comportamentos humanos e argumenta de forma propositiva a favor da reflexão coerente dos consumidores com a realidade cotidiana das coisas que temos ao nosso dispor e o descarte delas após seu uso programado. “Quando se trata de certas categorias de formas consideradas mais nobres – como quadros ou edifícios –, poucas pessoas negariam a possibilidade da expressão de significados densos ou complexos. A existência de linguagens visuais na pintura e na arquitetura é uma premissa aceita por muitos, senão todos, em decorrência de uma tradição de emprestar credibilidade intelectual ao fazer artístico, que conta pelo menos quinhentos anos no Ocidente. Já quando se fala em cadeiras, ou garrafas, ou fontes tipográficas, a coisa muda de figura. O senso comum hesita em atribuir densidade poética, isto é: produção de sentido, ao universo material que o cerca. Nossa sociedade industrial, cuja existência se pauta fundamentalmente em sua capacidade de produzir artefatos, resiste paradoxalmente a se engajar na tarefa de compreender o sentido deles. Mal comparando, somos parecidos com uma imensa gráfica que imprime livros sem parar, mas onde poucos sabem ler e a maioria dos funcionários nega a existência da leitura. O resultado é que estamos em processo de sermos soterrados, literalmente, pelo lixo que produzimos. Afinal, lixo nada mais é do que a matéria desprovida de sentido ou propósito.”
Devido a convivência com a indústria, a interdependência da sociedade com ela e ao seu modelo de trabalho e sobrevivência relacionando-se com a diversidade de opções que existem, sobra um outro ponto de reflexão que se evidencia: “Na sociedade industrial, existe a tendência a construir o sentido do artefato a partir da conjunção de três fatores: fabricação (autoria e origem), distribuição (mercado e comércio), consumo (compra e uso). Cada uma dessas instâncias possui seus discursos característicos e modos de validação. Exemplos gratuitos: “esse tênis é da Nike”, “o carro é alemão” ... (fabricação); ... “feito sob medida para você” (distribuição); ... “me identifico com essa marca” ... (consumo). Ao analisar com cuidado cada uma dessas estruturas, e centenas de outras parecidas que empregamos todos os dias, descobre-se que são quase inteiramente desprovidas de sentido lógico, ... a ponto de não dizerem nada.” Pág 54 mas representam um detalhe importante: a cadeia construtiva das coisas na sociedade industrial.
Até o final do capítulo diversos exemplos de tamanhos, usos e origens distintos, são colocados para ilustrar a situação aos leitores no decorrer da evolução dos processos de fabricação e significação das ‘coisas industriais’ assim sendo, para os ‘leigos’ dos processos fabris é comum pensar e enxergar o processo industrial da seguinte forma "concepção → planejamento → projeto → manufatura → distribuição → venda → uso → descarte". Mesmo que não aparente, mas está inserido e faz parte do todo, é a situação de reuso ou reutilização das partes e peças que fazem os produtos industrializados voltarem para a linha de produção mesmo que já tenham sido descartados pelos consumidores. Como nem todas as partes, industrias e profissionais pensam no ‘retorno’ do dejeto ao produtor, o lixo se acumula inevitavelmente.
No terceiro capítulo abre-se caminho para a análise das redes que se formaram no decorrer de diversas evoluções sociais, civis, urbanas proporcionadas pela industrialização. O autor se dedica a mostrar como os centros urbanos, carregados de problemas, pensaram e executaram soluções para a sociedade continuar seguindo seu caminho evolutivo. Despende uma parte importante do capítulo para exemplificar, a partir da WWW, como essas redes coexistem e são interdependentes e a partir do imaterial e intangível das redes eletrônicas e se tornou tão real e tangível quanto digital e visual independente do contato humano direto para se mostrar.
Na conclusão do livro, é explanado alguns das situações locais que os cursos de graduação de Desenho Industrial tiveram historicamente e o surgimento de diferentes escolas passaram por mudanças importantes. Como esses cursos, no Brasil e na América Latina, poderão sobreviver ao futuro cada vez mais desconhecido e diversificado, que existe a nossa frente, é o mistério.
Ao mencionar a criação de alguns desses cursos na metade dos anos 1960 “É certo que o ensino do design em nível superior surgiu no Brasil com cunho mais ideológico do que pedagógico, atento mais à consagração de um estilo e um movimento do que às circunstâncias da vida econômica, social e cultural do país. A geração fundadora de professores possuía não somente pouca experiência didática como era também relativamente novata em matéria de prática profissional. Tirante algumas exceções notáveis, eram bastante jovens e inexperientes os docentes que implantaram cursos como os do Instituto de Arte Contemporânea/ Masp, da Escola Técnica de Criação/ MAM-RJ, da Escola Superior de Desenho Industrial, entre os anos 1950 e 1960. Alguns encontraram-se na posição perigosa de ter de repassar o ensino recebido havia pouco, sem que lhes fosse dado o respiro necessário para ganhar segurança em seu próprio percurso e rever ... as falhas inerentes a qualquer aprendizado. O resultado disso foi uma cultura de didatismo reativo ... que ainda hoje permeia o ensino de design entre nós. Mas os tempos estão mudando” Pág 89 e 90.
Posteriormente enfatizando que novas mudanças serão necessárias para a sobrevivência deles mesmo "O ensino do design vem passando por grandes transformações no Brasil ao longo das duas últimas décadas. Salta aos olhos uma pulverização da oferta, com ... mais cursos, mais alunos ... mais informações. Algumas décadas atrás, contava-se nos dedos o número de cursos de design no país. Hoje, são centenas." Pág 91 e continua "Há aspectos positivos desse processo de pulverização. O primeiro deles é a descentralização do ensino. Até meados dos anos 1970, existiam faculdades de design apenas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Para qualquer um que vive fora dessas capitais, é evidente o benefício de ter acesso ao estudo em sua própria cidade... Para o meio profissional ... o ganho é considerável, visto que os cursos de expressão regional detêm maior possibilidade de se adaptar às peculiaridades locais em termos de mercado e economia. Essa aderência maior às condições de cada contexto está ligada ao segundo avanço identificável no ensino do design: sua segmentação. Duas décadas atrás, o ensino de design no Brasil contemplava duas habilitações e um leque relativamente reduzido de especializações. Hoje, as faculdades passam por um processo de se abrir para novas facetas profissionais, ajustando seus programas de ensino em conformidade com a maior complexidade do mercado. Esse processo é reflexo de um terceiro aspecto positivo: o maior amadurecimento do ensino. Com a bagagem acumulada de cinco décadas de ensino superior de design no Brasil, as faculdades ingressam num período de reflexão e discussão em nível avançado, o que está evidenciado no surgimento de cursos de pós-graduação na área." Pág 92.
Para concluir: “O design é um campo de possibilidades imensas no mundo complexo em que vivemos. Por ser uma área voltada ... para o planejamento de interfaces e otimização de interstícios, tende a se ampliar à medida que o sistema se torna mais complexo e à medida que aumenta ... o número de instâncias de inter-relação entre suas partes. O design tende ao infinito – ou seja, a dialogar em algum nível com quase todos os outros campos de conhecimento. Em seu sentido mais elevado ... o design deve ser concebido como um campo ampliado que se abre para diversas outras áreas, algumas mais próximas, outras mais distantes. Nesse sentido, o designer pode ser artista, artesão, arquiteto, engenheiro, estilista, marqueteiro, publicitário... A grande importância do design reside, hoje, precisamente em sua capacidade de construir pontes e forjar relações num mundo cada vez mais esfacelado pela especialização e fragmentação de saberes.” Pág 94
Enfim, mesmo com apenas 60 anos de atuação evidente e registrada no Brasil, a história do design irá estabelecer, ou por necessidade ou por pressão, novos paradigmas e precedentes, devido ao mercado profissional e a necessidade da sociedade em precisar seguir seu caminho e irá dialogar com outras carreiras para enfim se estabelecer como algo fundamental ao todo.
Ass,: Thiago Sardenberg
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