Mídia. Um livro sobre o controle do olhar e pensamento coletivo pelos meios de comunicação.
O livro ‘Mídia’, de Noam Chomsky (2015), da editora WMF Martins Fontes, mesmo tendo sido escrito lá no início dos anos 2000, faz um recorte interessante de como a Comunicação Institucional e Governamental esbarram no interesse midiático sobre como alguns assuntos podem ser mais importante que outros, e como os diferentes enfoques mudam as rotulagens aplicadas conforme diferentes interesses. Porém quem aplica esses rótulos e sobre quem eles são aplicados é o ponto crucial da abordagem do autor. Sobre o assunto de cotidiano Mídia, Informação, Governo e Interesse, do final dos anos 1990, essa rotulagem é variável e segue até os dias de hoje.
Nestas últimas semanas, estudar sobre a construção social das civilizações e das ferramentas de comunicação me forçou a ler sobre Mídia e Cultura, pois, desde a metade da faculdade o interesse por antropologia e sobre a evolução cultural das sociedades me desperta curiosidade. E graças a essa curiosidade, pude acessar diferentes autores e redações distintas. Entretanto, como é possível estudar tema tão amplo? Foi quando um edital da UERJ indicou os limites.
O PPG de Comunicação, da Instituição, tem uma bibliografia interessante para se começar a entender “O que são as Mídias?” e as culturas humanas após a 2ª Grande Guerra. Aonde estamos e como chegamos é “fator de sobrevivência do mais forte” parafraseando Darwin em sua obra “A Evolução das espécies”. E como numa antiga definição de cultura pode ser “o conjunto de informações que faz uma geração passar aos seus descendentes os conhecimentos necessários para os manter vivos” (falha-me a fonte) é algo neste sentido simples e direto que o estudo se encontra.
O autor faz um recorte peculiar sobre a propaganda política durante o século XX. Como os interesses de governantes, e Senhores da Guerra, esbarram e influenciam a comunicação sobre determinados assuntos à população, como informar é o assunto das entrelinhas do trabalho. Pelo texto ser dividido em duas partes distintas, a 1ª é a clássica PROPAGANDA POLÍTICA E MANIPULAÇÃO dando enfoque direto nos recortes que governos dão sobre suas ações e intenções. Já a 2a parte é sobre o olhar de fora, de um tal estrangeiro, onde O JORNALISTA MARCIANO, que precisa escrever sobre a Terra e como os humanos se comportam, seu trabalho de informar seus semelhantes, sobre nós, principalmente daqueles que tinham interesse nesse planeta, era crucial, pois iria formar a visão do que é ser um ser humano, para os marcianos. Dentro dessa ação jornalística, cabia ao marciano verificar nossas Mídias e os Informes políticos da época, mas esses produtos não são construídos para manipular a opinião pública?
Como o trabalho de Chomsky é uma crítica elucidante da forma como somos manipulados, tudo que a Mídia faz é ser seletiva e costuma informa apenas o que ela quer e sabe que dará audiência. Audiência, neste caso, está sendo aplicada não na escala televisiva, no sentido da palavra, mas na escala da venda e consumo de informações que podem/precisam/devem ou não, chegar a população.
Historicamente, a propaganda política foi aplicada desde o início do século XX, como ferramenta de alterações. Quando foi preciso incutir na população a vontade de culpar alguém pelas atrocidades da 1ª Grande Guerra, quem pagou o pato foram os Germânicos (Alemães) provindo da política inglesa de mudar a opinião pública sobre a percepção da guerra. Anos depois, a mesma política foi feita no período que Hitler governou a Alemanha, onde foi aplicada a mesma estratégia de culpar alguém, no caso os Judeus, que ‘o permitiu’, durante este período, executar as atrocidades genocidas do regime Nazista. Diga-se de passagem que é preciso entender o que significa Nazismo. Advindo do nome do partido de Hitler, o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, em alemão Nationalsozialismus, foi um rótulo de construção de uma desculpa usada como subterfúgio, pelo governo, para eliminar opositores. E nessa situação de usar ‘desculpas’ para justificar atitudes, não é possível ignorar o que Maquiavel não escreveu em ‘O Príncipe’ - “os fins justificam os meios”. A Virtu, como Maquiavel define no livro onde ‘um político astuto e inteligente’ é o cerne da questão, como ter a capacidade de convencer e mudar a opinião pública, é o típico efeito da Virtu aplicada na propaganda governamental.
E mesmo por dentro de todas as verdades e montagens midiáticas que recebemos diariamente ainda assim vivemos em uma democracia, onde os 3 poderes - Judiciário, Legislativo, e Executivo - precisam conviver em harmonia, alcançando os devidos consensos dessas esferas. A mídia surge como uma ‘entidade reguladora’ dos excessos e extremos que alguns dos reguladores podem exercer e devido a isso, ela mesma, a Mídia, criou o que é conhecido hoje como Opinião Pública.
Graças a essa nova “força” de atuação, quando governantes e/ou legisladores estão contrários a população, gera visibilidade dos meios de comunicação, e enquanto a mídia, que se põe a disposição de informar a população, manipula a opinião pública, gera conflitos antidemocráticos, pois foi ela, a Mídia, foi quem construiu essa nova força. Porém, quando a política é realmente pública e atinge os interesses da população, e a Mídia discorda dessa atuação, ela também manipula a Opinião Pública, causando assim, os dissensos populares contra a política vigente. Resultado inevitável é como a Mídia, sozinha, consegue trabalhar por cima dos olhares críticos da população em relação aos seus seus públicos.
População, críticos e políticos, são espectadores ativos da Mídia ativa, porém, com a visão deweynistas de outrora, sobre como as elites intelectuais, a Classe Especializada, era formada por aqueles que iriam entender como as coisas funcionam, a população, geralmente foi rotulada como estúpida e incompetente para compreender onde quer chegar, pois não tinha acesso nem aos meios nem as classes de poder, gerando assim os mecanismos de manipulação. A população, foi associada a um rebanho de animais sem foco e desorientada que precisa ser guiada para um fim comum/específico e depois ser solta de novo para se comportar como devem fazer sempre.
Mesmo que exista o voto como mecanismo de validação da representação popular das forças políticas existentes, a democracia busca consensos para continuar a expressar as diferentes vontades existentes enquanto os homens de poder, aqueles que formam a Classe Especializada precisa obedecer uma determinada premissa…
“A premissa não declarada … tem que ver com a pergunta de como eles alcançam a posição em que têm autoridade para tomar decisões. A maneira como fazem isso, naturalmente, é servindo as pessoas que têm o poder de verdade. As pessoas que têm o poder de verdade são as donas da sociedade, e elas fazem parte de um grupo bem reduzido. Se os membros da classe especializada chegam e dizem: “Podemos servir aos seus interesses”, então eles poderão fazer parte do grupo executivo. Mas é preciso agir com discrição. Ou seja, é preciso que eles tenham inoculado dentro de si as crenças e doutrinas que servirão aos interesses do poder privado.” (Chomsky, 2015).
Ironicamente e contrariamente a opinião de uma significante parcela da população, o setor de Relações públicas tem como compromisso o controle a mente da população. Isso significa que a população só saberá, de fato, o que importa, quando as Relações Públicas do governo, deixar, permitir ou liberar tais informações, de outra forma, elas serão sempre guardadas. Quando a população ganhou espaço legislativo para alterar políticas públicas específicas, o problema gerado foi enorme.
“O rebanho desorientado estava alcançando vitórias legislativas, e não era assim que as coisas deveriam ser. O outro problema é que as pessoas estavam tendo a possibilidade de se organizar. É preciso manter as pessoas segregadas e isoladas. Elas não podem se organizar, porque assim elas podem deixar de ser apenas espectadoras da ação. Na verdade, se um grande número de pessoas com recursos limitados conseguisse se juntar para ingressar na arena política, elas poderiam vir a se tornar participantes. E isso, de fato, é ameaçador.” (Chomsky, 2015).
De fato, as organizações sociais em prol de um objetivo comum têm muito mais força que apenas uma ideia ou representação singular vindo de uma pessoa ou pequenos grupos. A construção da opinião passa exatamente pela possibilidade de realizar, ou não, ações que causam problemas coletivos e para que isso não cause transtornos a classe dominante, a empresarial, usou a Mídia com um propósito claro “controlar o pensamento popular e desvirtuar possibilidades coletivas” impondo rótulos e slogans que encantam os olhos mas que na prática não têm significado algum, pois são apenas luzes de fachada sobre edificações vazias.
A realidade, em diferentes casos, é tão manipulável quanto a opinião e quando essa manipulação é percebida, pelo rebanho desorientado, as organizações sociais ganham destaque e importância. Sem elas os negócios prevalecem e o que vale é o que se compra o resto é o resto. Na Europa os sindicatos são fortes porque os trabalhadores passaram pior crises e souberam se manter organizados, pois dão valor a essas conquistas. Nos EUA os sindicatos inexistem e o que prevalece é o Capital.
“… O que aconteceu é que existe uma espécie de movimento popular minimamente organizado no qual as mulheres estão envolvidas – o movimento feminista. E a organização tem suas consequências: você descobre que não está sozinho, que outras pessoas pensam as mesmas coisas que você. Você pode embasar melhor suas opiniões e aprender mais sobre aquilo que pensa e em que acredita. Esses movimentos são bastante informais, não são como as organizações a que a gente se filia, apenas uma disposição de interagir com as pessoas. Isso tem um resultado bastante perceptível. Esse é o perigo da democracia: se as organizações conseguirem se fortalecer, se as pessoas saírem da frente da televisão, elas poderão começar a ter uma série de ideias estranhas. Isso tinha de ser derrotado, mas não foi.” (Chomsky, 2015).
Na prática o livro continua sua análise atravessando um terreno espinhoso que se manifesta como uso da força como contra ponto no uso dessa mesma força. Porém, essa força, conhecida como armamentismo, é usada por grupos diferentes, seja paramilitares seja por governos. O autor dedica uma parcela do trabalho analisando o uso descabido da força enquanto a Mídia dedica espaço analisando o que poderia ser feito com ela e convence a população de que é uma ação necessária. O ponto espinhoso não é só a análise e a criação do senso mas o uso do termo terrorismo. O exemplo é direto. Quando uma nação grande é atingida por um ataque armado de um grupo menor, a propaganda governista, junto da Mídia, define essa ação como terrorismo, porém, quando um país grande, usa essa mesma força armada, contra países menores, para impor suas vontades políticas, também é terrorismo, mas de Estado, porém essa atitude não é rotulada como terrorismo. A mídia, dessa forma, acaba por colaborar com a construção do senso de quem realmente faz terrorismo e na prática, nunca é do país grande contra o menor.
A análise termina quando alcança os efeitos após aos atentados de 11 de setembro de 2001, das Torres Gêmeas em Nova York onde aviões foram usadas para derrubar as duas torres matando mais de 3000 pessoas. Em períodos de guerra ou conflitos, as maiores perdas ocorrem nas populações inocentes e quando a 2ª Guerra do Golfo ocorreu, a forma como os governos dos EUA e da Inglaterra convenceram seus congressos e populações a aceitar o conflito contra o Iraque de Saddam Hussein, ambas alegaram que havia armas de intensa destruição controladas por Saddam e uma possibilidade real de ataque e invasão de seus territórios, o que depois foi descoberto como mentira. Mas, a Mídia, de novo, comprou a argumentação dos governos e nunca se opuseram contra essas ofensivas. Nem mesmo notas de rodapé sobre a população atingida pelo conflito.
Esse é o mote do trabalho. Levantar as ideias de como a Mídia controla o pensamento populacional e como determinados assuntos, sendo eles espinhosos ou apenas efêmeros, movimentam a economia da notícia.
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