O assassinato, amoroso, de um jovem inocente.
O amor é um sentimento um tanto estranho, da mesma forma que faz o ser humano assinar um contrato de vida eterna com a pessoa amada também pode causar tantos transtornos que o transforma em um assassino confesso. Em qual extremo a maioria se encontra é uma situação meramente particular.
O livro 1793, de Niklas Natt och Dag (Autor) e traduzido por Fernanda Abreu (não é a compositora, cantora), e publicado pela Intrínseca, é um romance ficcional que se passa em Estocolmo no final do século XVIII. Enquanto a revolução francesa (de 1789 até 1799) pegava fogo no centro-sul da Europa, a Suécia passava por mudanças em parte de suas elites. Enquanto o antigo Rei sumia da monarquia, abrindo caminho para outro governante sucessor assumir, a sociedade convivia com suas mazelas. É nesse contexto geral, onde há a mistura de fatores, ou pitorescos ou coloquias, que o romance se embasa. Não é uma ficção de elementos fantasiosos ou fantásticos. A realidade geral, existente, é o mote.
"Como o blog, apesar dos distintos livros lidos e apresentados nas diferentes postagens já realizadas, ter um caráter mais acadêmico do que de literatura, no final ele se comporta como uma grande vitrine de diferentes obras literárias que estão disponíveis para serem aproveitados. Querendo ou não, ler é uma ação construtora de novos pensamentos. Literatura não é só livro técnico, tem muitas coisas a mais para serem lidas, de diferentes épocas, do que apenas o que é lançado no nosso contemporâneo. Por isso leiam. Leiam muito. Faz bem ao intelecto. E diversifiquem. É saudável." desse escrevente.
Ao retratar a realidade daquela época, 1793, e enquanto o inverno, a neve, e o frio são detalhes contextuais regionais, eventualmente o verão, com calor e sol típicos, também dá as caras. O autor descreve a cidade de Estocolmo, e arredores, do período, como um grande emaranhado de estruturas onde vielas, bares, bordeis, casas pobres e ricas, e ruas estreitas condiz com a aglomeração urbana de então. Apinhada de maltrapilhos e problemas sociais que podem explodir em uma revolução política e cultural a qualquer momento, a sociedade de então é regida pelas elites corruptas próximas a monarquia. Enquanto a população sofria com os extremos de uma cultura escravocrata, que ainda persistia, as elites brincavam, entre si, com o descaso social. Quem era rico fazia o que queria com quem era pobre e assim se vivia.
A personagem principal é um meio “detetive” e meio “advogado” que investiga casos estranhos de assassinatos desde o final da faculdade e ao ver um corpo boiando no rio, que sai da parte elevada da cidade, fica curioso para saber quem o matou e como chegou até aquele local. Enquanto as investigações passam por diversos locais da cidade, remontando o caminho da vítima, outras personagens são apresentadas.
O assassino da vítima só aparece ao final e o fato de ter cometido o crime, por amor, foi uma surpresa para ele mas como o detetive chega até ele, é o ponto. Idas e vindas e um forte senso de “trabalho a ser cumprido”, foi a motivação. Guardas, servidores da polícia local, outros burocratas, e personagens menores também aparecem. Um ou outro tem um destaque em certas passagens enquanto a história de uma jovem inocente grávida, devido ao caso de estupro eventual, também tem relevância na segunda metade.
O que chama a atenção foram algumas passagens bem tensas da narrativa onde diferentes métodos de tortura são apresentadas. Para quem gosta de romance policial com certa dose de detalhes, é um livro que tem alguns. Querendo ou não, tortura, fazia parte da cultura da época, e este é um elemento que aparece com certa regularidade. O outro ponto que chamou a atenção é o detalhamento de determinadas passagens. Não pense ler algo como Agatha Christie ou Tolkien, carregados de detalhes, não é história desse nível, mas algumas passagens chegam minimamente perto. O que deu trabalho foi a adaptação aos nomes de famílias e locais do país mas se acostuma com o passar da história.
Como a língua sueca não é, tradicionalmente, traduzida para o português, principalmente para o Brasil, haverá algum conflito inicialmente de nomenclaturas, mas passa. É um interessante acréscimo ao acervo de litros traduzidos e algo inusitado para o publico em geral. Para quem só lê romance da língua inglesa (UK ou USA), tem algo peculiar nessa obra: variação geográfica. Por ser mais ao norte, é curiosa a forma como o detalhamento dos espaços e de algumas situações são construídos. Semelhanças regionais existem mas retratar o clima como elemento básico e constante da narrativa é um fator peculiar. Neve e gelo pairam na maior parte da narrativa.
Apesar dos pesares, tortura, jogos de azar, carceragem, assassinatos e algumas brigas de rua, não é um livro para menores de 18 anos. Se a classificação indicativa fosse aplicada a ele, sem dúvidas não sairia para menores. E por não ser um livro de anatomia comparada, tem detalhamento de corpos que pode impressionar leitores de primeiras viagens. Para os leitores de romances policiais nem tanto. Estejam preparados.
Para quem já leu histórias de diferentes origens como Japonês, Polonês, Russo, Inglês, Hispano-Brasileiro, Italiano e Brasileiro é uma visão de mundo importante para se construir um repertório interessante. É minimamente saudável ler essas obras, mesmo de gênero tão distante do que considero saudável. Para quem não gosta do gênero, pode passar longe, não vai acrescentar muita coisa ao seu repertório, mesmo com o vocabulário simples da obra. Só recomendo para quem é fã de investigação. Do resto? Passe longe. Vale mais pela tradução e trabalho original do autor do que pelo conteúdo em si.
Até o próximo livro.
Ass.: Thiago C. Sardenberg
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