A evolução da mídia: da ignorância coletiva à ignorância compulsiva, ou quase isso...

UMA HISTÓRIA SOCIAL DA MIDIA: De Gutenberg a Internet é um trabalho histórico da evolução na produção das mídias. Sejam essas mídias: impressas ou radiotelevisivas; analógicas restritas ou digitais irrestritas; estáticas definitivas ou dinâmicas e manipuláveis; o livro passa por relevantes marcos históricos, euro americanos, na construção de conhecemos hoje como informação. A pesquisa foi realizada pelos autores ASA BRIGGS & PETER BURKE, e publicado no Brasil pela editora ZAHAR (2006) mostra como a cultura da informação foi construída e estabilizada enquanto a forças políticas e das religiões tentavam impor suas visões, restritas, de mundo, como sendo as mais importantes, perante a sociedade de suas épocas.

Como essa mesma sociedade não era alfabetizada, o controle das informações era, obviamente, fator de manipulador até que a noção do que é a “opinião pública” foi cunhada e serviu de base para boa parte do que é apresentado. Ao começar pelo marco histórico da Prensa de Tipos móveis, de Gutenberg, é um ponto interessante. A construção dos primeiros documentos impressos, que viria a ser melhorados com o advento dos jornais, da leitura como entretenimento e na expansão dos materiais didáticos, foi uma construção curiosa de por onde o trabalho passou. Obviamente, existem diversas citações que mostram detalhes e situações anteriores ao feito de Gutenberg e que não deixam de ser importantes mas o que mudou o rumo da história do letramento social e do acesso massivo a informação foi a simples criação da prensa no século XV.


Tecnologia

A mídia atual, como a conhecemos, faz parte de um complexo e emaranhado conjunto de diferentes tecnologias que se complementam para ser visível. Nos séculos passados, a impressão gráfica, foi o estopim. Ao baratear a construção de livros e documentos manuseáveis, sem a interferência de um escriba, ao aumentar seu acesso à população, a leitura tinha deixado de ser elitista dos governantes e da Igreja, e passou a ser fator econômico de criação de um novo mercado: o da informação. Porém, quem controla a informação, pode ou não, repassá-la e como informação também é ter “poder”, saber divulgar era ter “poder” porém “Além de fornecer informação, a mídia estava envolvida em um processo de persuasão” (p. 117) e este é um recorrente recorte, da obra, em diferentes momentos.

“A tecnologia nunca pode ser separada da economia, e o conceito de revolução industrial precedeu o de revolução da comunicação - longa, contínua e eterna. O segundo conceito, claramente formulado apenas no fim do século XX, já tinha começado a tomar forma no século XIX. Seguindo o que Charles Knight (1791-1873), pioneiro do livro barato e da imprensa popular, chamou de uma ‘vitória sobre o tempo e o espaço’, o tempo (e distância) foi redefinido sob a influência, primeiro, da ferrovia e do primeiro barco a vapor; e depois, de um conjunto de novos meios de comunicação - telégrafo, rádio, fotografia e cinema.” (p. 109). 

Transporte
Antes do telégrafo existir, a informação precisava percorrer, fisicamente, distâncias enormes. Os centros políticos e de controle, dos países, estavam localizados num determinado lugar mas a influência destes governos, transpassavam as fronteiras citadinas regionais de onde foram consumados. Entretanto, era preciso mostrar, como e onde o tal governante estava e para isso, cartas  reais e documentos oficiais eram escritos regularmente para diferentes pontos de controle subordinados.

Durante um período, o livro dedica especial atenção a como o transporte de carga, por animais domesticados, era usado para enviar informações enquanto os navios da época não eram tão rápidos quanto desejavam. Em um dia, dependendo da região, uma mensagem poderia passar cerca de 200KM desde sua origem até o destino por onde seu mensageiro viajasse. Dessa forma, pequenas vilas e cidades surgiram ao redor das rotas comerciais. Como a tecnologia não passava por longas distâncias, o advento de sustentar a troca de montaria, aos mensageiros, virou um negócio, para que estes seguissem viagem rapidamente enquanto sua montaria se recuperava da estirada antes de uma próxima viagem.

Nesse sentido de entrepostos, as ferrovias, regionais e nacionais, também tiveram importante papel na construção dessas vias de comunicação, onde a evolução na distribuição das mensagens, via novos meios, só era possível com a criação de novos caminhos. As tecnologias da época, já eram rápidas mas não eram instantâneas. A ferrovia foi um dos meio primeiros meios de acelerar o deslocamento físico das pessoas e de informações mas foram os cabos elétricos o principal meio de acelerar o transporte das informações. Junto a ela, também veio a criação do rádio e de suas estações locais, para repassar informações e entreter a população.

Mesmo com suas particulares diferenças, Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Itália, Espanha e outros países como China, Índia, Austrália e Japão, também passaram por processos semelhantes de evolução nas formas de transmitir informações internamente, até chegar nas TVs e na comunicação de massa, como a conhecemos.

Política
A construção das grandes redes de comunicação, além de precisarem de diferentes tecnologias que se complementam, também precisaram passar pela regulação e autorização dos governos locais para existirem. Enquanto algumas nações estipularam, legalmente, as comissões e secretarias específicas para controlar as redes e quais das novas tecnologias usariam, essas comissões também foram responsáveis pela definição das atribuições das rádios e das editoras que editavam jornais, nos seus respectivos momentos. Se essas empresas eram comerciais ou bancadas por financiamento público, também era frequentemente debatido.

A maior das diferenças foi que nos Estados Unidos, os políticos não estipularam controle público sobre quantos ou quais meios iriam existir e aceitavam que as editoras, as rádios, e as redes de TVs, eram comerciais, mesmo que monopólios pudessem ocorrer (devido a especifidades da legislação), o que no final, gerou novas propostas de adaptação das concessões de licenças específicas. Fusões eram comuns e a construção de monopólios uma consequência. Dessa forma, diferentes processos ocorreram para redefinir as diferentes atribuições que essas redes de informação tinham.

Na Europa, de forma geral, era comum o debate político entre definir se as redes eram financiadas pelos governos nacionais ou se iriam se bancar com uma fatia do tempo destinada a publicidade. Na virada do século XX para o XXI, essas diferenças entre pública e privada foi superada, deixando aos governos a regulação dos setores e como deveriam agir enquanto as grandes redes públicas, passaram a ser comerciais, com poucas exceções e soluções legais para estes casos.

Educação e Entretenimento
Em um ponto, o livro dedica atenção ao que alguns políticos entenderam ser importante: tanto as rádios quanto as TVs, precisavam seguir um tripé definido do conteúdo. Parte dessas programações precisariam abranger: entretenimento, educação e informação. O livro, devido aos fatores regionais e de época, não dedica atenção a temática da educação, mesmo que ela apareça fragmentada em breves citações. O entretenimento teve atenção específica na citação de diferentes programas de sucesso e como estes foram influentes mecanismos, propositais, da perpetuação das culturas dos grandes centros econômicos que o mundo tinha nessa época. Inglaterra e Estados Unidos eram grandes exportadores de entretenimento televisivo enquanto outros países europeus receberam poucas menções. Neste ponto, do entretenimento, Televisa do México, Rede Globo do Brasil, foram citadas rapidamente como grandes conglomerados regionais de destaque locais.

Outro ponto que o livro cita foi a criação dos primeiros videogames (que fazem uso das TVs para funcionarem) e são itens de consumo desejado pelas crianças daquela geração, e o advento dos computadores como produtos do desenvolvimento industrial de toda a cadeia de comunicação, já estabelecida, desde o século XV, quando Gutenberg criou a Prensa. A atenção geral da obra é abarcar, século a século, como a informação foi construída e repassada para seus distintos públicos/consumidores. A informação era um negócio poderoso e ela moldava a visão de mundo das pessoas. Antes mesmo das redes sociais serem uma realidade. Aliás, o livro termina antes do termo “rede social” ser usado como é e antes da rede Orkut (2004-2014) existir.

Século XXI
O que chamou mais a atenção foram os pontos que marcaram a virada de século. A internet comercial, surgida na década de 1990, só ganhou destaque quando a educação, no governo de Bill Clintom, investiu na expansão do acesso a rede pelas escolas regionais. Mesmo que as redes de telefonia celular já existisse, (ela nasceu nos anos 1980), as TVs comerciais a cabo já eram realidade (nasceram na década de 1970). A grande virada da mídia e da informação foi quando ocorreram os ataques de 11 de Setembro e os autores dedicam atenção aos acontecimentos que marcaram o “real início” do século XXI. Também existem comentários da queda do Muro de Berlim, que representou o fim simbólico da União Soviética, enquanto diferentes outros ditadores foram tirados de seus respectivos governos por ações Americanas para acesso as reservas de petróleo desse países (brevemente mencionado).

Conclusão
O livro traz um apanhado de informações da evolução da mídia e passa por diferentes períodos da expansão cultural informacional da humanidade. Fala da evolução tecnológica dos meios de transporte de pessoas e cargas enquanto outras tecnologias foram descobertas e desenvolvidas que ajudaram a comunicação ocorrer de forma mais acelerada e pulverizada. Mesmo com 20 anos, hoje, de sua publicação original, é recomendado como apanhado histórico da evolução e consagração da mídia em geral.

O ponto curioso, mesmo não tão evidente, já que no momento dessa escrita, existe no Brasil, uma rixa social entre o que é ser de direita ou de esquerda (pra ser sensato falta estudo desses internautas moderninhos), o livro não evidencia qual é a tendência dele. Existem citações peculiares de alguns Marxistas e ele também faz citações específicas de capitalistas que foram beneficiados pela existência de patentes industriais, e tecnologias, que foram apoiadas por determinados governantes. Importante citar estes detalhes.

Enfim: recomendo!
Ass.: Thiago C. Sardenberg

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