Proprietário VS Aberto: A proposta é ir além do conflito que deveria ser saudável e está longe de ser honesto.

A conversa começou num grupo brasileiro de Inkscape, no Telegram, e a surpresa de quem escreveu o comentário, tem uma mistura de indignação com espanto e algo além, foi o que chamou minha atenção. E não foi só esse caso, ocorrem vários em diferentes grupos mas vou me ater apenas a um deles.














Postagens originais

Um Usuário em 18/03/2023 postou:

"Cara pesquisando aqui o que tem de curso ‘designer de jogos’ que usam Inkscape maioria até pago não tá escrito em…" (vou preservar o nome da pessoa pois ela pode não querer participar, em contra partida, a relevância do comentário continua sendo interessante).

Minha resposta em 18/03/2023 foi:

A questão é: Design, Sound Desig, Audiovisual, Design de Jogos, Programação, UX/UI, e vale para a maioria das profissões: todas elas podem ser executadas sem o software proprietário. O problema é a imposição do mercado em usar só o software proprietário.

Se o problema fossem os softwares abertos, Unity e UDK já teriam comprado os programas abertos e tirado-os do mercado MAS elas sabem que eles precisam existir pra ter concorrência saudável. O mesmo princípio vale pro blender vs autodesk; Libre Office vs MS Office; Linux VS Windows/MAC e os exemplos não terminam.

A mentalidade do programa pago ser melhor é que deprecia os profissionais e isso é um problema terrível de postura dos profissionais. Ou se alinham a mentalidade e fazem parte dela, ou seja vire mais um do mercado, ou sejam excluídos automaticamente por não fazer parte da panelinha, termina a conversa.

Como os consumidores dos serviços prestados, por usuários dos programas, não conhecem as implicações políticas dessas posturas (imposição da mentalidade do software pago ser melhor que os abertos) essa briguinha de pago vs grátis ocorrem em vez das comunidades levantarem a bandeira saudável do "Posso e sei fazer, sim. Quanto acha que pode me pagar?" e a vida seguiria de boas mas... Não é o que acontece.


A explanação do paradigma de hoje é parte da reflexão sobre a temática pago versus gratuito, além de ampla, implica em:

A) Usar os softwares de uma única empresa, ou apenas um tipo de programa, além de engessar a mentalidade do usuário, e do coletivo, transforma a sociedade dependente de poucas soluções que estão disponíveis com facilidades para uma parcela, minoritária, do público consumidor.

B) No lado oposto dessa realidade, existe uma fatia expressiva da população que não tem condições de bancar os programas proprietários e isso é reflexo direto da industrialização: ou há o consumo dos bens materiais da produção industrial por quem tem dinheiro sobrando ou não se tem recursos financeiros para tal consumo. Como a maior parte das pessoas no mundo não estão nos países ditos ricos…

C) A industrialização, e consequentemente o Design, junto a todas as outras atividades produtivas existentes, causou mudanças comportamentais profundas na sociedade. Mudanças que se refletiram nas políticas, tanto públicas quanto empresariais, a favorecer, ou não, o acesso aos recursos modernos em oposição a manutenção das ferramentas obsoletas disponíveis à maioria.

O que fazer então? Evoluir, seria uma das respostas mas a proposta, aqui, é ir além.


As fontes da proposta apresentada

Podem ser detalhes que não ter relação direta entre si, mas, pela filosofia da tecnologia sim, existe relação entre essas situações. Pela representação social, das facetas da sociedade enquanto recortes populacional, divisões podem ser realizadas, mas sociedade não é só quem faz parte do topo das esferas políticas e financeiras das elites mas todos os atores, que agem em conjunto para manter o todo organizado. Isso também esbarra na consciência, individual e coletiva, do quanto a população é impactada pelas diversas posturas politicas inerentes as organizações, institucionais, civis, empresariais, e sociais que moldam os agrupamentos humanos.

Antropologicamente falando, só somos sociedade, enquanto grupo, por dependermos de nós mesmos coletivamente, se não seríamos apenas alimento para animais e manadas mais fortes do que nós. Pois o ser humano só é o ser social e coletivo que é, e dependente de seus semelhantes para sobreviver, graças a sua capacidade de adaptação perante as adversidades naturais que o obriga a mudar, evoluir, crescer, construir soluções diversas para continuar a existir e procriar. E junto dessas necessidades biológicas, diferentes tecnologias (sistemas, ferramentas, processos, e organizações) foram criadas para os manter todos, unidos, num todo comum.

Saltando para o futuro, os processos industriais mudaram a vida urbana, que mudou a vida no campo, acarretando o êxodo rural do século XVII em direção às grandes demandas que as cidades industriais, da época, precisavam. Enquanto a fabricação e a disponibilidade de bens materiais influenciou a vida cotidiana desde a 1ª Revolução Industrial, lá pelos anos de 1750, onde criaram as condições aviltadas de sobrevivência urbana, oriundas da desordem politica e econômica, que o momento causou, também levou as revoluções culturais do seu tempo, onde o Teatro, a Literatura, as Artes Plásticas, a Educação, a Política e as Ciências passaram.

As disparidades econômicas que existiam entre as grandes potências e os outros países, foi o que nos trouxe ao atual momento: os ricos, industrializados, ditam as regras do mundo, enquanto os outros se esforçam para não morrer tentando. Isso faz parte dos movimentos políticos que a representação social estuda, junto da antropologia, que delimita como sobreviviam e conviviam as sociedades do passado.


O que isso tudo tem de relação com o software livre versus o pago do início da postagem?

É um processo contínuo, muitas vezes invisível, imposto, pelas elites, principalmente as econômicas, que controlam a política, e influencia na formulação das políticas públicas de acesso e inclusão, onde esbarra nas representações dos grupos que formam a sociedade. Essa mesma sociedade também é controlada pelos mecanismos legislativos e comportamentais que ela desenvolve. Ao impor o uso de diferentes tecnologias para mostrar seu lado mais perverso: a soberania de uns poucos sobre os muitos outros, cria as disparidades, que, convenientemente achamos normal, mas não é, pois foi imposto, em algum momento.

Um desses processos, e pode não aparentar, é a linguagem cotidiana. Nossa língua mãe, em um momento passado, foi um mecanismo de dominação e é tão tecnologia quanto qualquer dispositivo eletrônico comprado numa loja de esquina, da mesma forma que lápis, caneta, borracha e papel, também são.

Um outro mecanismo é o salário mínimo. Enquanto não existisse o salário, ou a população era livre, ou ela era escrava, sem direitos legais ou acesso ao consumo de itens da época. E dentro desse intrincado emaranhado de “soluções sociais” criadas para manter os humanos vivos, os mecanismos que modelam os comportamentos sociais, em prol de sua vivência, são institucionalizados e enraizados no seu coletivo.


Finalizando

O comportamento de valorizar os softwares, principalmente os proprietários, como sendo melhores que seus usuários, e consequentemente os funcionários das empresas, é uma imposição invisível do mercado tecnológico dentro do pensamento coletivo que absorve o argumento de “melhor é o pago” e o transforma em retórica favorável às grandes corporações fabricantes dessas tecnologias.

Ao desvalorizar o profissional individual e o conhecimento técnico das pessoas, enquanto desqualifica o labor profissional daqueles que mais precisam trabalhar, ter acesso aos recursos é uma postura de exclusão, onde são extraídos dos trabalhadores direitos a favor das fortunas e posturas capitalistas das grandes corporações que se tornam monopolistas e concentradas, junto aos seus pares, e dentro das instituições governamentais, que não tem escolha, pois serão cativados pelas soluções ofertadas, é a infeliz perversidade da realidade capitalista do lucro a todo custo.

Favorecer as tecnologias e ferramentas como melhores que seus usuários, é favorecer a produção acelerada das máquinas reduzindo sua qualidade e padronizando todas as soluções, o que nos leva a uma mentira de que as máquinas são melhores. Nada substitui o labor humano técnico de constante evolução. As máquinas não evoluem, elas apenas replicam, aceleradamente, pontos de um processo pré definido que podem ser controlados e escalonados ao infinido, ou até que algo mais eficiente surja e a substitua (sim, isso é Design).

Na prática é uma inevitável situação de vitimação invisível perante o retorno financeiros das megas corporações. O que nos leva a uma mentira pois as imposições mercadológicas atinge a todos, mesmo que de formas diferentes, favorecendo a adoção de algumas soluções em vez de outras opções já existentes.

Num ponto curioso dessa situação é a tecnologia que leva a um estigma de ser imparcial e indiferente, neutra, onde ela é boa para todas as pessoas. Na prática, ela, a tecnologia, é uma outra forma, um mecanismo contemporâneo e mutável, de controle dos labores da população. Criadas para favorecer uns poucos e não o todo. Onde quem mais depender dela serão os representantes políticos das camadas favorecidas, as elites, deixando os grupos excluídos, e suas comunidades, a mercê das migalhas do mercado enquanto manipulam, pelo encanto da modernidade, quem tem condições de a usar.

Só os grandes coletivos, grupos de populares, que poderão induzir uma mudança na situação vigente: adotar ou não os softwares proprietários, no seu dia a dia, seja essa adoção em: escolas; repartições públicas; cartórios, empresas privadas e diversas outras instituições. Sendo, ou não melhores, se não for limitado sua adoção, os fatores financeiros das empresas sempre irão reger a realidade politica da sociedade pois existirá sempre espaço para uns se beneficiarem dessa situação enquanto outros não têm escolha.

A ideia proposta nesse texto, é de levar a reflexão a uma série de outras implicações que pensadores já falaram anteriormente. Esbarra em filosofias distintas e uma postura politica de não neutralidade aos mecanismos impostos à sociedade. Infelizmente a tecnologia não é neutra, ela é criada para um propósito e empresas tem um único propósito: o lucro.

Ass.: Thiago Sardenberg

O Autor desse texto pede, encarecidamente, que o mesmo seja creditado por quem o copiar. Se houver relevância e significado, indique o site dele e a origem do mesmo. Obrigado.




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