“Sim, você sabe desenhar!” e para desenhar bem é preciso praticar.

Desenhe, muito, todos os dias, antes que suas rotinas te impeça de sonhar...

Da mesma forma que aprendemos a escrever, a grafia correta das letras, o que ocorre no cérebro é a cópia e repetição do processo de desenhar. Desenhar letras, sim, até fazer o cérebro trabalhar no tranco para reconhecer de imediato as formas do alfabeto, a repetição é o caminho. Até os traços ganharem forma e os olhos entenderem o que é preciso ser feito, o mesmo princípio de copiar será replicável a qualquer prática, seja cálculo, escrita, desenho, construção ou modelação de objetos. É desse princípio que os ensinamentos, principalmente dos povos antigos, eram repassados às novas gerações. Pela oratória muitas vezes, mas antes da escrita veio o desenho e antes do desenho, veio a oratória. É bom destacar que oratória é diferente de oralidade. Oratória é o ato de falar quando se explana coisas enquanto a oralidade é a pronúncia das palavras em seus regionalismos e sotaques.

Não foi uma, nem duas, nem três vezes que escutei “EU! não sei desenhar!” de algum aluno ou jovem estudante, da mesma forma que em diferentes ocasiões também escutei, de diferentes pessoas, que não sabem desenhar mas a verdade é, se não indigesta, no mínimo, bem insossa…  “SIM! Tu sabe desenhar!” Letras, números, símbolos gráficos. Um alfabeto inteiro tu sabe desenhar e isto estou considerando uns 250 símbolos diferentes com linhas retas, curvas, oblíquas, ângulos, abertas, fechadas, vazadas, frisadas, e ainda tem a cara de pau de falar para aos outros que não sabe desenhar? Isso é uma terrível explanação de preguiça aguda incarnada dentro de ti. Assumir que caligrafia não pode ser melhorada é também não querer praticar sua escrita e melhorar sua grafia pois essa melhora também é uma consequência direta da constância dessa prática.

A partir de um paralelo rápido sobre o ENEM… Todos os alunos que se aproximam da nota mil em redação, passam pelo processo de repetição, toda semana, até chegar no dia do vestibular. Para complementar, não tem um mestrando ou doutorando que não tenha escrito um trabalho, que levou horas, e tirou um zero do congresso ou simpósio por conta de alguma coisa que passou despercebida. Faz parte e faltou prática. Isso é resultado da persistência e a prática leva a perfeição pois é o mais conhecido segredo dos grandes mestres. Sejam escritores, calculistas, desenhistas e afins…

Sua caligrafia sempre será particular porque é individual e singular, mas sua ortografia e gramática serão gerais pois seguem regras específicas, como os desenhos também seguem as suas regras. Seu desenho, bom ou ruim, está para a gramática da língua culta na mesma proporção, forma e condição que seu estilo artístico está intrinsecamente ligado a caligrafia que as pessoas têm no decorrer da vida escolar. Poder desenvolver uma caligrafia melhor é questão de prática. Saber escrever bem, dentro da norma culta também. O grande escritor ou cronista, usa de forma correta a gramática e no conhecimento da ortografia é um exímio usuários da forma culta da comunicação. O desenho é a mesma coisa, mas com linhas, texturas, sombras e brilhos, composição visual, destaques, detalhes, proporção, escala e combinação das formas. Grandes matemáticos sabem a gramática dos números, e também são exímios usuários das regras do cálculo aplicado a alguma razão, função, ou especificação técnica. 


O tal livro de desenho…

Ivan Quirino é o autor e ele é desenhista profissional, professor e palestrante, além de pesquisador, e desenvolveu um curso de desenho baseado em alguns conceitos interessantes e pertinentes mas o trabalho aqui é sobre o livro/apostila que escreveu não sobre o trabalho dele de pesquisador. Como tive acesso à obra, vale comentar sobre as etapas dela.

O livro é dividido em etapas e começa no entendimento das formas geométricas básicas. Lembra do alfabeto do início do texto? Então… Geometria serve pra muitas coisas… Conceitos, tipos de figuras, linhas de formação, linhas de contorno, traços e firmeza do desenho, incidência das luzes e projeção de sombras, escala tonal, volumetria, texturização, e materiais a serem representados. Na segunda parte começam os materiais a serem usados, tipos de lápis, tipos de papel, pontas dos lápis. O desenho cego é uma técnica interessante demonstrada de forma objetiva. Até começar os desenhos de observação, muitas imagens já foram trabalhadas para se entender a composição dos desenhos.

Um adendo: o trabalho da desenhista Bety Edwards no livro “Desenhando com o lado direito do cérebro” é relevante nesse momento. Ensinar uma metodologia que utiliza poucos recursos e informa como pode e deve ser trabalhada é uma ajuda para a continuidade do estudo em desenho. Separar imagens de revistas, jornais e livros (Ivan Quirino fala também) é básico mas recortar janelas em pedaços de papel que irão se sobrepor a imagem de referência para emoldurar o espaço a ser trabalhado é um processo curioso apesar de trabalhoso. Além desse método, também é recomendado outras ações como: alterar o braço que se desenha (do direito para o esquerdo aos destros, e do esquerdo para o direito aos canhotos) e a inversão da imagem de referência de cabeça pra baixo. Dessa forma o cérebro reconhece os modelos sem dificuldades mesmo que seja estranho vê-los virados. A intenção é mostrar o processo de como fazer o desenhista trabalhar com as linhas dos objetos com maior naturalidade sem gerar conflitos com a vontade de escrever. Como escrever é um ato de repetição, desenhar também é. E o mais importante, prática. Ao menos duas horas por dia não importa a quantidade de dias. Tenha frequência nessa prática é a principal recomendação da autora.

Existem professores que falam que é preciso quatro horas de treino de desenho por dia para aprender a desenhar bem enquanto Ivan Quirino indica trinta minutos. Uma discrepância enorme. Independente do tempo que cada um ache melhor, todos falam a mesma coisa: pratique todos os dias. Eu, como parto da prática, prefiro um tempo entre sessenta e noventa minutos e se puder expandir um pouco mais, faça. Quanto maior for o tempo gasto no início, melhor. E se precisar treinar de duas a três vezes por semana, não existe, faça também. Pratique de tudo um pouco até ter confiança. Se precisar desenhar todos dias, aí sim, o processo vai funcionar porque vira rotina. Internalizar as formas basicas e saber representar nas linhas, formas e tonalidades o que se pretende é o objetivo de trabalho dos desenhistas.

O livro de Quirino continua para outros detalhes: enquadramento, composição, proporção, perspectiva (o conhecimento que mudou a arte no Renascimento), linha do horizonte e pontos de fuga. A partir desses detalhes o desenhista, além de acumular experiência pela prática, também se torna mais técnico pois acessa, por necessidades, conhecimentos técnicos pertinentes de uma prática mais abrangente e próxima à realidade. Ao chegar na figura humana a complexidade aumenta bastante. Os olhos têm construção específica e regras rígidas. Define seus elementos, íris, pupila e brilho, e como são distribuídos pela cabeça das pessoas também indica as diferenças entre o masculino e feminino. Nariz é um triângulo e pela geometria fica mais fácil de desenhar.

Da mesma forma que as cabeças são elipses em formato de ovos, suas linhas verticais e horizontais divide-a em hemisférios e o posicionamento dos elementos ocorre por esse espaço. Olhos, nariz, boca e orelhas, seguem os mesmos princípios em cada indivíduo. Rostos masculinos são mais brutos e quadrados enquanto os femininos delicados tendendo a um arredondamento. Nesse ponto ocorre  uma curiosidade. Mesmo que desenhos sejam estáticos, existe um movimento dos objetos por esse espaço. E como cabeças são volumes num plano 2D, uma folha de papel ou monitor, só serão representados a partir das sobras que definem maior e menor intensidade dos brilhos que incidem sobre seus objetos. Sem essa variação tonal, de claro e escuro, o volume desaparece.

Cabelo é o elemento mais chamativo nas figuras femininas e em diversos animais, seus pelos são talvez mais importantes que o próprio animal. Sobrancelhas e cílios precisam de atenção exclusiva. Depois dos cabelos as formas geométricas voltam na construção dos corpos. Retângulos, círculos, trapézios, aparecem espalhados pelo corpo humano inteiro. Indo desde as mãos, passando pelos braços, tronco e pernas até chagar aos pés. Todo o corpo pode ser decomposto em geometrias. A atenção principal é para a proporção em quantidade de cabeças. Dependendo da idade e altura da pessoa, essas cabeças irão variar. Para terminar o trabalho, os desenhos de alguns animais também é demonstrado e o resultado final das mesmas técnicas aplicadas a outros elementos uma maneira impactante de indicar como a prática é importante. 

O que mais chamou a atenção foi o trecho sobre os movimento dos corpos. Estes precisam de muita  atenção para terem uma aparência natural e elegância. É a partir dessas observações que os ciclos de caminhada serão percebidos junto à construção das formas físicas e estáticas, distribuídas no papel, enquanto a composição ocorre, criarão a ilusão de realismo. Os cenários podem ser a junção de uma série de pequenos objetos espalhados por diferentes referências mas a personagem em destaque… Essa precisa ser bem trabalhada.


Outros trabalhos de outros autores

Quem auxilia a complementar este trabalhos é Will Eysner no livro Arte Sequencial, da editora Martins Fontes é um ótimo compilado de informações sobre composição e recorte nos Desenhos em Quadrinhos. Também é nesse princípio que os ciclos de caminhada e corrida são estudados pela animação tradicional mas não faz parte desse trabalho. Se precisar de algo sobre isso veja o livro Manual de Animação, de Richard Williams, publicado no Brasil pela Editora SENAC SP ou o “The Illusion of Life, Disney Animation”, em inglês, só importando, ou em PDF, mas vale o esforço. 


São boas obras para ficar de olho na oportunidade de comprar quando passar na sua frente. Não tenha medo, arrume, são boas adições...



Concluindo

Um livro que mostra um caminho importante de estudos a ser percorrido. Não pule etapas (se lembrou de “Não Entre em Pânico”, do Mochileiro das Galáxias, não foi atoa) elas serão suas bases. Se precisar aprender a desenhar é só seguir essa sequência. Pra cada uma delas dedique um tempo. Aprender bem cada uma, para chegar ao final com algo agradável de ser visto e divulgado, é o resultado mais desejado. Vai demandar tempo, esforço, sacrifícios e dedicação mas é alcançável. Só depende de você. Vale a leitura mas não só dele como das outras obras apresentadas também. Cada uma abrange um conjunto de informações pertinentes e que expandem seus conhecimentos. Se estiver com dificuldades para dormir, procure pelos PDFs deles e deixe na reserva. Eles não são enfeites e se achar os livros físicos não podem ficar só na cabeceira pegando poeira da rua alimentando sua alergia respiratória. A maioria está disponível em algum local pela Internet e mesmo num site obscuro tente ler. Este livro é recomendado pela sequência de trabalho e junto dele todos os outros indicados valem suas respectivas leituras.

Até o próximo livro.
Ass.: Thiago C. Sardenberg


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