Arte e Ciência da Criatividade: um tema em voga

Independente de qual autor difere ou converge sobre o tema em suas descobertas, existe um fato interessante: desde o final da 2º Guerra Mundial, estudiosos de diferentes países, áreas de trabalho e vertentes vem estudando sobre o tema da criatividade. O livro mais antigo que tenho disponível é de 1960, com seu referencial teórico da década anterior porém o livro desta postagem é de 1965 com sua versão brasileira original de 1978 e com uma reedição de 1991. A versão que li foi a de 1978 porém as extrações que fiz dele vieram da versão de 1991 pois está em PDF e é mais fácil de fazer fichamentos e seleções das partes relevantes.

Começando pelo início o autor já traz a seguinte constatação: “O estudo da criatividade exerce crescente atração em nossos tempos. Uma das razões consiste em ser ele um dos raros pontos de encontro da ciência e da arte que dão aos profissionais uma aguda visão do ramo a que os outros se dedicam. Outra razão está na própria natureza esquiva do processo criador, que intriga o espírito indagador, permitindo-lhe mais do que a costumeira liberdade de especular.” e com este início pomposo, só nos resta desbravar o conteúdo com a maior atenção possível porém algumas observações são importantes...


O que o livro se sujeita a ser?

Com pouquíssimas alterações entre as duas versões vistas, na prática o livro só tem uma mudança relevante que são as notas de rodapé em relação as páginas do original onde a edição mais recente as colocou como referências no pós capítulo mas mantendo ordem e conteúdo. As outras alterações relevantes foi o uso de “College” no original que sofreu adaptação para “Ginásio” na edição mais nova e as palavras que antes da reforma da língua escrita, na década de 1970, eram escritas com acentuação específica foram adaptadas ao vocabulário da época. Ler as duas versões foi curioso para ver como a grafia de certas palavras são levemente diferentes. Provavelmente, se receber outra edição, após 2020, algumas palavras receberão ajustes pontuais que irão levar a obra a novas gerações. Como ainda é um livro, que vem se caracterizando como atemporal, talvez essa 3ª versão da obra não demore muito a chegar. Vale o investimento de tempo e leitura.

O ponto positivo de ter lido este livro foi descobrir que a maioria dos livros dessa temática vieram, de alguma forma, dele. Se estarei a estudar sobre antropologia, educação e ensino, psicologia, publicidade e propaganda, literatura ou artes, o livro esbarra de alguma forma nessas e em outras áreas que precisam, por sua própria natureza, conhecer o comportamento humano em seus mais minuciosos detalhes, desde o mais sutil nos indivíduos ao mais plural em nossa coletividade. A parte ruim foi constatar que mesmo depois de mais de 50 anos da publicação original nada na educação mudou de forma tão significativa quanto deveria ter ocorrido na mesma velocidade e forma que o mercado de trabalho mudou junto das ferramentas desenvolvidas nas últimas décadas.

A evolução tecnológica sempre irá mudar o labor humano a fim de gerar maiores facilidades em sua prática diária porém alterar essa prática com o emprego de maior volume de tecnologias assistivas ou diretivas nada mais faz do que sobrecarregar os profissionais de hoje com trabalhos nada criativos. Devido a isso, estes labores tecnocratas com seus funcionários não retornam mais suficiente salário pra que uma imensa massa de pessoas possa se manter vivas pois boa parte de sua atuação profissional, está facilitada pelo uso de recursos maquinarescos substitutos de braços e cérebros (de 1990 e depois).

Logo no início da obra autor começa com uma pontual porém importante reflexão sobre a realidade da educação (da época) “a razão principal reside na compreensão, cada vez maior, de que é preciso educar em profundidade. Agora que edificamos apreciável massa de conhecimento a respeito do comportamento humano, do qual a criatividade é aspecto singular e de incalculável valor, não pode mais a educação restringir-se ao ensino decorado. As pessoas informadas insistem em que os educadores ajuntem a sua tarefa uma terceira dimensão, que é a de cultivar a criatividade humana em seu mais apurado sentido.” (p. 9) e dessa maneira deixo a pergunta, afinal o que é criatividade?


Definições do livro (de 1965)

“Segundo um escritor, criatividade é ‘o processo de mudança, de desenvolvimento, de evolução, na organização da vida subjetiva.’ ... De acordo com John Fletcher, o pensamento criador é desinibido, subjetivo, fluido, ao passo que o pensamento reflexivo é estruturado, impessoal e formalista.” (p. 13 e 14).

Ao se delimitar que a definição do termo tem um ponto de subjetividade em outro momento essa mesma definição passar por um consenso mais amplo “Ela pode ser … atitudes pessoais, hábitos e valores. Pode … ser explanada por meio dos processos mentais motivação, percepção, aprendizado, pensamento e comunicação.” em outra definição “focaliza influências ambientais e culturais” e “... pode ser entendida em função de seus produtos, como teorias, invenções, pinturas, esculturas e poemas.” (p. 15). 

Dessa maneira percebemos que mesmo sendo ampla, a definição de criatividade é um combinado de possibilidades que abrangem o que uma definição deve ser: nem muito ampla, nem sucinta, nem complexa, nem simples “A mais alta forma de criação é seguramente aquela que … quebra o molde do costume e estende as possibilidades do pensamento e da percepção.”

Sem percebermos como a criatividade é definida também não seremos capazes de entender como ela funciona. Para esclarecer um pouco mais as ideias sobre o tema uma complementação a original também é relevante “Como o ato criador é resposta a uma situação particular, ele deve resolver, ou ao menos clarear, a situação que o fez surgir. ... Em suma, um ato ou uma ideia é criador não apenas por ser novo mas também porque consegue algo adequado a uma dada situação.” (p. 18) Diante disso, é possível perceber como a temática é vasta e nebulosa.


Outras possibilidades

O trabalho ainda indica algumas ideias auxiliares que podem ser delimitadas a: como inteligência; como solução de problemas; e até onde vai o seu alcance “… a criatividade parece envolver certas capacidades mentais. Estas abrangem a capacidade de mudar a maneira pela qual cada pessoa aborda um problema, de produzir ideias relevantes e ao mesmo tempo inusitadas, de ver além da situação imediata e de redefinir o problema ou algum aspecto dele. Essas capacidades podem encontrar-se em todo gênero de atividade.” (p 26). Com isso pode-se ponderar que toda pessoa, em algum grau, gênero, ou tendência, é sim criativa, basta saber por onde este indivíduo costuma trabalhar da melhor forma. Qual a rotina dessa pessoa? Isso influencia suas capacidades perceptivas  para criar soluções de problemas no seu dia a dia. O autor ainda nos leva a perceber como psicólogos e psiquiatras também trabalham sobre o tema e de que maneira cada área interpreta as situações correlacionadas.

A parte interessante do livro é poder ler sobre as distintas fases da criatividade. Divididas em cinco etapas o processo é definido em:

1) Apreensão: de onde vem as ideias;
2) Preparação: quando se explora e extrapola as possibilidades das novas ideias;
3) Incubação: quando ocorre o ócio criativo, onde a produtividade é quase nula e o cérebro não consegue realizar as associações de ideias pelo excesso de informações levantadas que precisam de filtragem;
4) Iluminação: quando ocorre o estalido das ideias, onde todas as informações levam a uma solução que precisa ser trabalhada mas é alcançável e não mais imaginada;
5) Verificação: quando ocorre a validação das ideias propostas pelo inconsciente e sobre o que é viável entre o exótico (muito diferente e além do esperado) e o utópico (até interessante mas impossível de ser realizado), fazendo com que o intelecto da pessoa criadora tenha que terminar ou abandonar a ideia que a imaginação lançou.

“Em suma, o ciclo criador parece conter cinco fases que, apesar de logicamente separadas, só raramente se mostram tão distintas na experiência. Primeiro há um impulso para criar. Segue- se a este um período, frequentemente demorado, em que o criador recolhe material e investiga diferentes métodos de trabalhá-lo. Vem a seguir um tempo de incubação no qual a obra criadora procede inconscientemente. Então surge o momento da iluminação, e o inconsciente anuncia de súbito os resultados de sua faina. Há, por fim, um processo de revisão em que os dados da inspiração são conscientemente elaboradas, alteradas e corrigidas.” (p. 73).


Contrapontos a infertilidade criativa

Como os sistemas educacionais são rígidos e fechados em relação as necessidades que a criatividade precisa para ser explorada e por existirem currículos e ementas a serem trabalhados em sala de aula, as escolas acabam por favorecer a retransmissão de informações e repetição de conteúdos regulares às novas gerações que os educandos mais novos vão aos poucos perdendo suas condicionais criativas devido a sua necessidade de serem disciplinados e inseridos nos contextos sócio escolares onde as avaliações regulares em testagem de acúmulo de conhecimento fazem parte da realidade que alguns alunos não se adaptam enquanto outros se saem melhores.

A forma como os conteúdos escolares são aplicadas às crianças é uma parte da problemática que o contexto avaliativo formativo exige dos professores sobre os educandos porém as avaliações regulares não permitem verificar a extensão e fixação dos conhecimentos que levam a uma criatividade mais latente nos educandos. Por ser um conteúdo subjetivo e que irá variar entre as pessoas as avaliações também precisarão ser mais subjetivas o que não ocorre nas avaliações regulares ou de nível nacional.

Para se ter sujeitos mais criativos é necessário que o medo faça parte do problema, sem essa dose de incerteza a originalidade não tem como aflorar pois tudo o que irão fazer tem uma dose de tradição e conservadorismo inibidores da criatividade. Tudo que a criatividade faz tem alguma apreciação ao novo e diferente, o inesperado e o “indigesto” podem não ser apreciados, o que leva ao medo individual das pessoas em não querer sair do que é seguro e tradicional. Dessa forma costuma-se a fazer sempre o mesmo, o que replica o comodismo da zona de conforto. Criatividade pede pesquisas profundas e muitas vezes dispersas para se chegar a resoluções inesperadas, muitas vezes passando pelo imprevisível e o inalcançável o que é bom pois retroalimenta perguntas e novas pesquisas. 


Conclusão

Enfim o autor termina “… para cultivar uma atitude criativa em relação aos estudos, o aluno deve ter consciência de pelo menos quatro coisas: Primeiro, o que ele sabe e o que ele percebe são em grande parte influenciados por categorias culturais; através destas é que, em geral, o conhecimento pode ser compreendido. Segundo, há na cultura alternativas para muitas dessas categorias, oferecendo elas o precioso privilégio de escolha pessoal. Terceiro, para ser verdadeiro em relação a si mesmo, o estudante deve, quando possível, procurar aquelas categorias que correspondem tanto quanto possível a suas próprias experiências de vida. Finalmente, deve lutar para ser aberto e flexível em face de tudo o que aprende e sente, Como aprenderá essas coisas? Aprendê-las-á melhor de mestres que, abertos aos princípios do crescimento criativo, constantemente os pratiquem em sua vida profissional.” (p. 111) e que “...O aprendizado precisa deixar de ser absorção para ser exploração.” (p. 112).

Vale o investimento de tempo pois sua leitura é um tanto esclarecedora.
Até o próximo livro.
Ass.: Thiago Sardenberg

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