Boca do Inferno - Ana Miranda

Antes de me afundar nas leituras do mestrado, certa vez um amigo me falou "quero ler 100 livros em um ano". Obviamente que não definiu nem numero de páginas nem a complexidade do livro. Definiu apenas um número. Espero que ele tenha conseguido. Eu, ainda estou longe disso e não tenho tal intenção, mesmo que o mestrado peça algo próximo no final de 2 anos de estudos e dedicação exclusiva a tal realização. Para facilitar meu trabalho de achar o ponto certo de como escrever, tanto o pré projeto quanto o projeto em si, nada mais honesto do que ler, ler muito, de tudo um pouco, das mais diversas origens para aumentar vocabulário e principalmente, estrutura frasal e cadência do texto que se propõe a escrever.


O livro de Ana Miranda conta a história de um casal que se conhece ao acaso, devido a situações da vida. A principal personagem feminina é casada com um homem que está idoso e cego enquanto a personagem masculina é um poeta com um senso critico avantajado e que dispara suas criticas sem cerimônia.

A moça é uma ex escrava que foi comprada pelo marido e pode viver fora da escravidão por muitos anos (até conhecer o homem que a tira do sério e o marido vir a falecer) e o Homem é um letrado, que foi treinado e educado na escola de Magistratura de Portugal.

Apesar do romance se passar na Bahia, em pleno século XVII, algumas situações peculiares da época se parecem muito com o que estamos acostumados a vivenciar. Assassinatos, perseguições religiosas, mulheres oprimidas enquanto: governo, religião e servidores (ditos públicos) sempre procuravam alguma forma de não mudarem seus padrões de vida, comportamento e bonanças as quais o povo quem pagava (via impostos e outros tributos).

O romance também conta a história do assassinato de um importante personagem da vida política da Bahia. A personagem foi cercada por um grupo ao qual fazia parte a família opositora do governo colonial (sim o romance se passa no Brasil Colonial e as Capitanias Hereditárias eram parte da realidade da época). Para encobrir o crime, alguns personagens fugiram com a mão decepada do corpo e um anel ao qual fazia referencia ao cargo que aquela personagem ocupava. Devido a necessidade de se ocultar as provas do assassinato algumas outras personagens passam por situações de perseguição e que precisam se esconder.

O arcebispo da Bahia, os filhos dos figurões políticos importantes da época, e o Governador das Capitanias Hereditárias (que era subordinado ao governo de Portugal) se encontravam num conflito para retirar um ou outro de seus respectivos postos de trabalho. Os opositores do governador, começaram ser prendidos, para encontrar os culpados de um assassinato enquanto a família dos opositores do governador se viravam para retirar o governador.

Caso os opositores não se entregassem, o governador iria degolar as pessoas inocentes, contrárias ou não, a procura dos culpados pelo tal assassinato que norteia o romance. O caso é: quem foi morto, era irmão do governador e por isso a sede de vingança por parte dele.

Os problemas da colônia foram tão grandes, e a tempestuosa atuação do governador tão exagerada que a família opositora conseguiu sair fugida da colônia, chegar em Portugal, revelar ao Rei o que estava ocorrendo e no final de tudo o governador não pode se considerar mais o príncipe da colônia. Sim, uma parte do livro é uma forte referencia ao trabalho de Maquiavel em O Príncipe.

Além dos diversos personagens que aparecem, várias reviravoltas ocorrem durante o processo de assassinato até o final do livro. Como são duas histórias principais em que poucos personagens fazem parte dela, não deixa de ser um romance de época que retrata a vida cotidiana das terras Brasileiras no final dos anos de 1600.

Além de ser de época, outros detalhes chamam a atenção. O vocabulário do livro é rebuscado o bastante para desnortear o leitor desavisado. Garabulhas, Garatujas, Gatafanhos, Gregotins... Não leia-o sem ter tido a oportunidade de ler alguns livros difíceis antes. Algumas passagens são longas e tanto o pensamento descrito nas linhas quanto a situação narrada ficam cansativas de serem lidas caso não tenha a devida atenção. Se tiver dificuldade de se concentrar em leituras densas passe longe desse livro.

A realidade da época retratada tem peculiaridades bem interessantes. A existência do "foro privilegiado", das prostitutas e matriarcas donas de bordéis, as meretrizes, as escravas, os pistoleiros, os advogados, os padres, os estudantes de determinadas escolas e a existência de outras famílias ricas e poderosas da região fazem desse romance um retrato de uma época ao qual não se imagina ter tanta semelhança quanto aos fatos que temos hoje.

Vale a leitura: pelo período, pelos personagens, pelas situações (algumas poucas engraças mas existem) e pelas infelizes semelhanças que temos até hoje.

Até o próximo livro.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Aprenda Krita para ser um ilustrador digital

O VADE MECUM DAS HQs

Quando cadência e editoração determinam a qualidade